Ontem, terça-feira, 07 de junho de 2011, em um amistoso entre Brasil e Romênia, um dos melhores jogadores de futebol de todos os tempos fez sua despedida dos gramados: Ronaldo Fenômeno, Ronaldinho, Ronaldão, Ronaldo Nazário ou, simplesmente e como diria o Zina, Ronaldo. O Fenômeno entrou aos 30 minutos do primeiro tempo, no lugar de Fred, autor do único gol da partida. Sabia-se que ele só jogaria até o intervalo. Nesses 17 minutos em que esteve em campo, Ronaldo teve três chances claras de gol. Na primeira, deu um belo passe de primeira para Neymar, que devolveu colocando Ronaldo na cara do goleiro, mas este defendeu. Na segunda, recebeu bola açucarada de Robinho no meio da área, mas bateu muito mal. Por fim, Neymar foi à linha de fundo, rolou para trás e Ronaldo bateu cruzado para mais uma bela defesa do goleiro romeno. Poucos minutos depois, o juiz pediu a bola, encerrou o primeiro tempo e a participação de Nazário.
Você provavelmente já sabe de tudo isto; o que me motivou a escrever este texto foi a aparente incapacidade de algumas pessoas de compreender por que Ronaldo mereceu tal festa em sua despedida oficial. Disseram alguns que ele era apenas um esportista; outros, que ele fora um grande jogador muitos anos atrás; uns, ainda, nem souberam elencar motivos, apenas desdenharam. Tendo isso como ponto de partida, vou agora explicar, sob o meu ponto de vista, os motivos pelos quais essas pessoas estão equivocadas. Em novembro de 1993, eu tinha meus treze anos, e durante um dia o assunto da minha turma de amigos foi o gol que um moleque oportunista havia feito depois que o goleiro soltou a bola ao chão, pensando estar em segurança. Poderia ter sido apenas um daqueles momentos bizarros do esporte. Mas era um prenúncio. Se você não sabe do que eu estou falando, confira:
Nos anos seguintes, acompanhei – primeiro com os olhos de um adolescente, depois de um adulto – a carreira de Ronaldo: a figuração na Copa de 1994, em que o Fenômeno pôde observar outro gênio, Romário, conquistar a taça para o Brasil; a transferência para a Europa, – primeiro jogando pelo PSV Eindhoven, depois pelo Barcelona; as negociações milionárias, os gols, os títulos; as duas vezes escolhido como melhor jogador do mundo (em 1996 e 1997, sendo o primeiro a receber duas vezes a honraria) e a eterna puxação de saco que Galvão Bueno dedicava ao jogador – e que fez com que alguns torcedores desenvolvessem certa antipatia pelo Fenômeno. Eu mesmo muitas vezes o critiquei, e muitas vezes ri das piadas de que ele era alvo.
Começou então o calvário. Em sua estada na Internazionale de Milão, Ronaldo teve problemas físicos, desentendimentos com o técnico e com a torcida. Na preparação da seleção brasileira para a Copa de 1998, bem como na Copa em si, mais infortúnios. Embora ainda decisivo em muitas partidas, já não apresentava o futebol que o consagrara nos anos anteriores. No dia da final contra a França, Ronaldo sofreu convulsões; durante o jogo, foi um peso morto para o time, e conquistou a antipatia e o escárnio de muitos torcedores – que, verdade seja dita, eram em sua maioria torcedores de ocasião, aqueles que passam 4 anos sem assistir a um jogo de futebol, mas acham que entendem tudo do assunto quando chega a Copa. Nessa época, Ronaldo já sofria também com problemas no joelho direito, que viria a sucumbir em partida da Internazionale contra a Lecce, no fim de 1999. O jogador fez um trabalho de recuperação que levou vários meses. Retornou aos gramados em abril de 2000, contra a Lazio, e em seu primeiro lance o joelho direito cedeu novamente. A dor estampada no rosto de Ronaldo fez com que se proclamasse: era seu fim.
A resposta veio com oito gols: um contra a Turquia, um contra a China, dois contra a Costa Rica, um contra a Bélgica (pelas oitavas de final), um contra a Turquia (agora pelas semifinais, e o único gol da partida) e dois, esses dois:
…na final contra a Alemanha. Brasil campeão do mundo. O ex-jogador, motivo de piadas, tornou-se o maior artilheiro da história das Copas. Jogando pelo Real Madrid, Ronaldo reconquistou também os torcedores europeus. Tornou-se o primeiro jogador a ser eleito por três vezes o melhor do mundo pela FIFA (no ano seguinte, Zinédine Zidane foi eleito também pela terceira vez). Mas o destino tinha mais reservado para Nazário: o Real montou o time chamado de “galácticos”, composto por jogadores caros e de muito renome, mas a equipe decepcionou. O brasileiro, já sendo criticado por seu peso, preferiu abandonar a Espanha e transferiu-se para o Milan. Depois de um bom começo, sofreu nova lesão, sendo posteriormente dispensado do elenco do clube italiano.
Mas Ronaldo não queria parar, e não parou. Mesmo com todas as lesões, mesmo com o problema do peso, assinou contrato com o Corinthians, e sua presença foi tão marcante que conseguiu até mesmo amenizar o notório desgosto que torcedores de outras equipes sentem pelo alvinegro da capital paulista. Além disso, ajudou o Timão a conquistar o Campeonato Paulista e a Copa do Brasil em 2009, tendo feito gols nas finais de ambas as competições, inclusive estes que você pode ver abaixo.
Ele estava velho (para um jogador de futebol), gordo, e mesmo assim ele fez um gol como esse contra o Santos parecer algo natural, fácil de fazer, algo de que muitos craques novinhos e em forma não são capazes. Em 2010, após mais lesões e a eliminação do Corinthians da Copa Libertadores, Ronaldo decidiu finalmente aposentar-se. Ontem, recebeu sua festa de despedida. E vale salientar que, de acordo com o Datafolha, ele acertou mais chutes a gol (2 dos 3 que teve) do que Neymar (1 em 3) e Fred (1 em 4, exatamente o gol, quando estava livre e sem goleiro). Depois dessa mini-biografia, estou de volta ao ponto de partida: a festa para Ronaldo.
Se você é da turma que acha que fazia tempo que o Ronaldo não jogava futebol de qualidade, e se o texto e os vídeos acima não o convenceram do contrário, não tenho nada mais a lhe dizer. Se, por outro lado, a sua crítica ao Ronaldo – e à atenção que ele recebeu – é que ele é apenas um esportista (e por isso inferior a pensadores e artistas), ou que as pessoas deveriam dar atenção a assuntos mais relevantes, então ainda temos o que conversar. Em primeiro lugar, gostar de futebol não exclui gostar de literatura ou de política. Gostar de vários assuntos é algo positivo, concentrar-se em apenas um, qualquer que seja, é que é um problema. E toda a cultura e intelectualismo do mundo podem não representar nada se não convertem-se em algo prático, algo além do próprio orgulho de poder dizer que lê Baudelaire ou assiste a filmes de Buñuel. Ou pior, o conhecimento pode ser até danoso, quando está em posse de pessoas de caráter vil. E é aqui que entra o esporte. Porque sim, o esporte ensina. Ensina que deve-se buscar os próprios limites. Que não é possível vencer sempre, mas que não se deve deixar de lutar. Ensina que o mérito individual é importante, mas com a força da equipe se vai mais longe. Que nem sempre a vida é justa. E ensina que, se por um lado o esforço e o talento são essenciais para chegar ao topo, a humildade é imprescindível para manter-se lá. E humildade, a Ronaldo, nunca faltou; ele que, um dos maiores gênios que o futebol já viu, começou seu discurso de adeus desculpando-se com os torcedores por não ter conseguido marcar gol.
Se você não compreende o valor dessas lições, não importa o que você lê. Keats não vai tornar você uma pessoa melhor. Antes disso, você precisa aprender com outro mestre: Ronaldo Luís Nazário de Lima – poeta com a bola nos pés.
Ronaldo, de um grande fã, os votos de uma vida feliz e um sincero, muito sincero obrigado por tudo.