
Quando setembro passado nos trouxe uma sexta-feira 13, publiquei minha lista de 50 melhores filmes de terror de todos os tempos. Agora chegou o Dia das Bruxas – o famoso Halloween, tão importante nos EUA. Não posso repetir o truque anterior, portanto decidi abordar minha parte predileta dentro do gênero terror: os zumbis. Contribui para tornar o tema relevante o fato de que uma franquia em particular dominou as duas primeiras semanas do mês; de fato, se poderia chamar os quinze primeiros dias de outubro “quinzena The Walking Dead”: além do exemplar mensal da revista em quadrinhos, houve também o lançamento do terceiro livro da série que narra os eventos relacionados ao Governador, dos webisodes que compõem a terceira minissérie, e finalmente da quarta temporada da série de TV. A adaptação de The Walking Dead para as telinhas, inclusive, ofereceu aos zumbis uma popularidade de que talvez nunca tivessem desfrutado antes, mesmo à época dos respeitados filmes de George A. Romero. Hoje, mortos-vivos aparecem em obras dos mais diversos formatos, dos quadrinhos aos curta-metragens. Nada mais justo que recebam a homenagem do blog nesta data especial.
Recentemente, a revista online Papo de Homem publicou um artigo sobre o assunto. Recomendo a leitura em função do levantamento histórico, bastante informativo. Para meu gosto, as opiniões do autor não são lá tão interessantes, mas ainda assim vale a visita. E é importante ter alguma noção da história dessas entidades para definir o que são zumbis. Pode parecer uma questão boba, mas ela gera controvérsia e ajuda mesmo a compreender a influência desses personagens sobre obras que não se enquadram plenamente nas definições do subgênero. Se, por exemplo, você acha que zumbis são os cadáveres mutilados que caminham e tentam se alimentar de humanos, o artigo citado anteriormente poderá informá-lo que, originalmente, zumbis eram corpos reanimados por um feiticeiro para ser seus escravos, não tendo qualquer interesse por carne humana, nem precisando ter sido mortos por outro zumbi. Há controvérsias também com relação à possibilidade de zumbis terem força e velocidade humanas (ou sobre-humanas) e sobre eles terem consciência. De fato, já vi gente defender que filmes como Pontypool ou O Assalto à 13ª DP (o de John Carpenter) são filmes de zumbi. Embora obviamente nenhum desses envolva mortos-vivos, uma das características fundamentais do subgênero está presente: um pequeno grupo de sobreviventes precisa se defender de uma massa disforme e crescente de agressores que não têm motivação ou consciência individuais. É a esse tipo de análise que me referi quando mencionei a influência das histórias de zumbi sobre histórias que não contam, a rigor, com tais personagens.
Aliás, se há um fator que pode ajudar a determinar o que é um zumbi, possivelmente é que ele esteja morto. Isso exclui tanto os dois filmes citados acima, como também um outro que é frequentemente identificado como sendo de zumbi: Extermínio, de Danny Boyle. Neste filme britânico, pessoas infectadas por um vírus tornam-se animais incontroláveis que atacam raivosamente qualquer humano que encontrem; entretanto, eles estão vivos, e podem ser parados com qualquer ferimento que seja mortal para um humano comum. É diferente, por exemplo, de Madrugada dos Mortos, de Zack Snyder, ou do espanhol [REC]; ambos apresentam zumbis velozes e agressivos, porém em ambos os casos tratam-se de cadáveres reanimados.
Tendo discutido então algumas definições fundamentais, passemos a algo mais concreto. Quais são as obras que abordam zumbis, e quais vale a pena conferir.
Zumbis na literatura

Conforme mencionado, foi uma obra de literatura que cimentou o atual momento de glória dos zumbis na arte: a revista em quadrinhos The Walking Dead, lançada no Brasil sob o título Os Mortos-Vivos. Lançada em outubro de 2003 nos EUA, a HQ existe até hoje, ainda faz sucesso, recebeu prêmios e imortalizou personagens como o Governador, Michonne e o protagonista Rick Grimes. Apresentada em preto-e-branco, com desenhos marcantes e forte investimento em atmosfera, The Walking Dead mostrou que é possível subverter a fórmula comum baseada na identificação do público com personagens; ao longo das mais de 110 edições já lançadas, mais personagens importantes já morreram do que aqueles que continuam vivos: de fato, um dos mais antigos e mais queridos do público foi cruelmente assassinado recentemente. Embora tenha passado por momentos de clara falta de inspiração (particularmente na introdução do atual vilão), é improvável que a revista em quadrinhos deixe de fazer sucesso, sofrendo um processo de retro-alimentação com a série de TV. Quem sabe que truques Robert Kirkman, o autor, ainda tem na manga para nos surpreender.

Kirkman, aliás, comandou outra HQ de zumbis: a minissérie Marvel Zombies. Nesta realidade paralela, um vírus transforma os super-seres do universo Marvel em criaturas consumidas pela fome de carne humana. Heróis e vilões se misturam e, embora alguns tentem não sucumbir à fome, os pobres humanos pouco podem fazer para proteger-se de uma ameaça desse porte. A série limitada de 5 edições acabou por dar origens a várias sequências, prequels e tie-ins (estórias que não fazem parte da série, mas têm conexões pontuais com ela). A bem da verdade, em média a franquia Marvel Zombies é bem fraca. Há muitos clichês, alterações na trama que não fazem sentido e alguns momentos puramente apelativos. Ainda assim, a primeira parte e as aparições de Ash (da série Evil Dead) e Howard the Duck compensam pelo menos parcialmente o tempo jogado fora lendo algumas outras partes da série.
Já na literatura tradicional, o grande nome da atualidade é possivelmente o americano Max Brooks, autor de Guerra Mundial Z, recentemente adaptado para o cinema e estrelado por Brad Pitt. Filho do famoso diretor de cinema Mel Brooks (Jovem Frankenstein, Banzé no Oeste) e antigo roteirista do Saturday Night Live, Brooks lançou seu primeiro livro, Guia de Sobrevivência a Zumbis, no mesmo 2003 que viu a chegada de The Walking Dead. Em formato de manual, o livro de estreia de Brooks ensina a se preparar para a chegada do, em suas palavras, “inevitável apocalipse zumbi”. Com dicas desde como escolher seu refúgio até que armas carregar consigo, não é surpresa que tenha conquistado alguns fãs ardorosos. Por outro lado, Guia de Sobrevivência a Zumbis é, na melhor das hipóteses, medíocre em sua linguagem, caso claro de obra mais preocupada com o conteúdo do que com a forma, enfadonho em vários trechos e, quando cita “casos reais” que embasam a pesquisa, cai de cara nos clichês. A obra deixou uma impressão tão negativa em mim que eu efetivamente desisti de ler Guerra Mundial Z e optei por esperar pelo filme.
Outro livro que não me agradou muito é o mais recente da série The Walking Dead. Nas adaptações para o romance tradicional, os livros escritos por Jay Bonansinga, com participação de Robert Kirkman, começam com Philip Blake, sua filha Penny, seu irmão Brian e dois conhecidos deles tentando sobreviver à praga dos zumbis. Os três livros já lançados levam a estória, do ponto de vista do Governador (como Philip viria a ser conhecido) e de seus seguidores na cidade de Woodbury, até o pouco antes do derradeiro encontro entre estes e o grupo comandado por Rick Grimes. Inicialmente planejada como trilogia, a série foi estendida para acomodar mais um livro, cuja promessa é narrar a batalha final entre os dois grupos do ponto de vista oposto ao que foi visto nas HQs, e posteriormente mostrar o que aconteceu com a população de Woodbury. O primeiro livro, A Ascensão do Governador (The Walking Dead: Rise of the Governor, 2011) mostra um Philip Blake humano, preocupado acima de tudo em manter sua filha a salvo. Com momentos de alta tensão e a introdução de personagens interessantes, o livro só derrapa mesmo ao inserir um plot twist perto do final. Fora isso, é uma das melhores adições ao universo criado por Kirkman. A parte que se passa dentro de Atlanta é viva e pulsante, o ponto alto da obra.

Já o segundo livro, Caminho para Woodbury (The Walking Dead: Road to Woodbury, 2012) segue a estória da personagem Lilly Caul, e se você não se lembra dela, não sinta-se mal. Até então ela era essencialmente irrelevante. O principal problema do livro é que a parte boa dele está no começo. A partir do momento em que a estória relevante para o arco principal passa a ser o centro das atenções, sobra pouco do interesse construído até então. Contribui para isso o fato de Lilly ser uma personagem sem atrativos, que não deveria ser protagonista (embora seja claramente, pela maior parte do livro, uma versão nova da Barbra de A Noite dos Mortos-Vivos). Isso continua a atrapalhar em A Queda do Governador (The Walking Dead: Fall of the Governor, 2013), que começa pouco antes do incidente que traz Rick, Glenn e Michonne a Woodbury e coloca em andamento os eventos que culminarão no que é possivelmente o momento mais marcante de todo o universo de The Walking Dead. Infelizmente, a maior parte dos eventos já é conhecida pelos leitores das revistas em quadrinho (que compõe o público-alvo dos livros), e o que é novo é contado do ponto de vista de Lilly. A Queda do Governador é um livro que, essencialmente, poderia ser um ou dois capítulos de uma obra maior, deixando Lilly de lado e focando as estórias ainda não contadas sobre o destino de uma cidade destruída pelas mãos de um psicopata.

Outro nome de destaque na literatura de mortos-vivos – embora de destaque apenas dentre fãs do subgênero – é Rhiannon Frater, autora da trilogia As The World Dies, composta pelos livros The First Days, Fighting to Survive e Siege. A sinopse do primeiro livro – frequentemente descrito como Thelma & Louise com zumbis – não me interessou muito, por isso nunca investi na trilogia. O que eu li foi The Last Bastion of the Living (O Último Bastião dos Vivos, em tradução livre), lançado no ano passado. Trata-se de uma obra de zumbis futurista: depois de uma guerra de décadas contra os zumbis, os governos restantes da Terra se unem para construir uma supercidade, capaz de abrigar a população restante e mantê-la viva indefinidamente. Entretanto, o portão externo falhou, e zumbis (conhecidos na obra como Inferi Scourge) tomaram a área rural da cidade. Alguns anos mais tarde, encastelados na área urbana, incapazes de produzir alimentos para todos os moradores e vivendo em condições sufocantes, os governantes da cidade, através do misterioso Departamento de Ciência de Guerra, criam um plano para fechar novamente o portão externo e limpar a área rural, garantindo o futuro da humanidade. Entretanto, há segredos que podem significar a vida e a morte dos personagens principais, ou mesmo a destruição da cidade. The Last Bastion of the Living possui uma incongruência narrativa entre o início do segundo ato e o desfecho, dois trechos que frontalmente se contradizem e não podem coexistir. Desconsiderado isso, entretanto, é uma leitura bastante interessante, por mais que seja simples em sua estrutura e linguagem. A premissa é bastante diferente, e há ares de Tom Clancy espalhados pela trama – embora com bem menos maestria na condução dos fios políticos e militares do que tinha o consagrado novelista, recentemente falecido.
Outra leitura interessante é Can You Survive the Zombie Apocalypse? (Você consegue sobreviver ao apocalipse zumbi?, em tradução livre), de Max Brallier, publicado em 2011. Estruturado como um jogo, cada episódio termina com uma escolha entre duas ou três opções. Assim, partindo de uma manhã de segunda-feira em um escritório em Manhattan, é possível experimentar várias aventuras. Muitos dos caminhos acabam com você morto ou zumbificado. Há alguns finais felizes, alguns finais cômicos e algumas estórias acabam em aberto. Não é particularmente literatura de primeira linha, e as estórias usam e abusam de todos os clichês das estórias de zumbi descendentes de George Romero. Mas vale pela peculiaridade.

No fim das contas, meu livro preferido no subgênero zumbis é The Reapers Are the Angels (2010), de Alden Bell. Vinte e cinco anos depois que a sociedade ruiu sob o peso da infestação dos zumbis, uma adolescente chamada Temple vaga sem destino exato, sobrevivendo no único mundo que ela chegou a conhecer, um mundo no qual a violência e a morte são eventos diários. Da abertura poética ao final arrasador, o livro de Bell é absolutamente cativante. Embora Temple não possa ser considerada exatamente uma heroína, é possível compreendê-la, graças à escrita sensível e inteligente de Bell. A trama mistura road movie, um antagonismo notável, coadjuvantes bem construídos, mas é Temple, em sua jornada interna e externa, que cativa. Uma espécie de continuação chamada Exit Kingdom foi lançada em setembro de 2012, mas ainda não a li. Não me parece que a trama de The Reapers are the Angels precise de complementos.
Atualmente, estou lendo a coletânea de contos The Living Dead, organizada por John Joseph Adams, e contando com a participação de Clive Barker, Stephen King e George R. R. Martin, entre outros. O interessante é que, até agora (estou chegando à metade do livro), houve apenas uma estória no estilo “grupo de sobreviventes após o apocalipse zumbi”; no geral, cada conto traz uma abordagem diferente e peculiar dos mortos-vivos. Os dois primeiros contos ficam mais na premissa do que na execução (chegando a ser até um pouco enfadonhos, embora o segundo chegue a ter bons momentos). O terceiro é bobo e apelativo, poderia facilmente ter sido suprimido. A partir daí, entretanto, a seleção vai crescendo em qualidade, com destaque para obras como The Dead Kid, Malthusian’s Zombie e Sex, Death and Starshine.
Infelizmente, à exceção dos livros de Max Brooks e da franquia The Walking Dead, as demais obras citadas não estão disponíveis em português. É possível comprar versões importadas pela Livraria Cultura, mas eu prefiro comprar os e-books, facilmente disponíveis em lojas como a Amazon.com. Há alguns outros livros de zumbis disponíveis em português, como Orgulho e Preconceito e Zumbis, atualização da obra de Jane Austen e Sangue Quente, de Isaac Marion, adaptado para o cinema este ano, caso o leitor não se sinta à vontade para arriscar livros em inglês.
Zumbis em séries para a televisão e a internet

The Walking Dead não é a única manifestação de zumbis nas telinhas, mas certamente é a mais relevante. Atualmente em sua quarta temporada, e tendo sido esta semana oficialmente estendida até a quinta, pelo menos, a adaptação dos quadrinhos de Robert Kirkman vem obtendo números impressionantes de audiência nos Estados Unidos. Não que tudo seja um mar de rosas. A primeira metade da segunda temporada e a segunda metade da terceira receberam pesadas críticas ao prolongarem subtramas das quais o público rapidamente se cansou. Com ou sem críticas, entretanto, o público continuou dedicando seu tempo à série. E os três episódios já exibidos no atual ciclo construíram uma temporada promissora, cada vez mais distante da trama dos quadrinhos e dos livros. Um elenco competente, encabeçado por Andrew Lincoln, britânico formado na Royal Academy of Dramatic Arts, fornece o material humano. Outros atores de destaque são Danai Gurira, que interpreta a favorita do público Michonne, Norman Reedus, que dá vida a Daryl Dixon, criado para a série de TV, Melissa McBride, Steven Yeun e Scott Wilson. The Walking Dead conta ainda com minisséries feitas diretamente para a internet (os chamados webisodes), lançadas sempre poucos dias antes da estreia de uma nova temporada. A primeira minissérie de webisodes conta a estória da famosa “zumbi da bicicleta”, que aparece na primeira edição da HQ e no episódio piloto da série de TV. A segunda mostra um sobrevivente que procura refúgio em um centro de armazenamento, mas acaba encontrando algo tão ou mais perigoso que os zumbis. A terceira e mais recente leva de webisodes trata dos dois últimos sobreviventes de um grupo dizimado por uma manada de zumbis. Um deles tendo sido ferido na fuga, mas não por zumbis, eles procuram um hospital onde possam encontrar medicamentos para salvá-lo.

Outra série recente de zumbis é a britânica In the Flesh, lançada este ano. Inicialmente uma minissérie em três capítulos, a boa resposta do público causou a aprovação de uma segunda temporada, agora com seis episódios. A abordagem difere do comum em estórias de zumbi: depois que a praga dos mortos-vivos avançou sobre a Inglaterra, o governo conseguiu criar um tratamento que traz os zumbis a um estado de consciência e retira deles a vontade de comer carne humana. Chegou o momento dos primeiros ex-zumbis – até então mantidos em grandes centros semelhantes a sanatórios – serem reintegrados à sociedade. Um deles é o jovem Kieren Walker (Luke Newberry, de Anna Karenina e O Quarteto), que retorna à cidadezinha onde vivia com sua família, e encontra uma atmosfera de medo e intolerância.

Em ficando na terra da rainha, vale citar a minissérie Dead Set. É noite de paredão no Big Brother inglês, e enquanto os confinados continuam com sua rotina tola, ignorantes do mundo exterior, zumbis atacam o Reino Unido. Enquanto o público e os funcionários do programa são brutalmente atacados, os participantes dentro da casa confundem os gritos com empolgação por causa do resultado do paredão. Até que uma sobrevivente do lado de fora entra desesperadamente na casa e tenta convencê-los de que o mundo deles agora se restringe àquele pequeno e isolado ambiente. Nos cinco episódios que durou, Dead Set não poupou observações sarcásticas sobre a sociedade que glorifica a tolice dos reality shows. Também não poupou seus personagens, que frequente e subitamente sofriam mortes violentas.

Outra série a citar é a francesa Les revenants, lançada ano passado. Comecei a assistir apenas recentemente (só vi os dois primeiros episódios), mas as críticas são bastante positivas. Não se trata exatamente de uma estória de zumbis, uma vez que os mortos que retornam voltam essencialmente à vida, embora mantenham certos “defeitos”, como fome constante e dificuldade para dormir. Pelo pouco que vi, achei interessante, mas com alguns defeitos, alguns fatores não muito interessantes. Veremos como fica no fim da primeira temporada. Les revenants ganhará em breve uma versão americana, sob o título The Returned.
No começo deste ano, como parte de um novo projeto, a loja virtual Amazon.com lançou o piloto de uma adaptação em forma de série para a internet do filme Zumbilândia (Zombieland). O piloto foi massacrado por público e crítica, e a empresa optou por não prosseguir na produção.
Zumbis na arte parte 02 – Cinema: do início à decadência