A internet, por si só, é uma das grandes ferramentas que a humanidade desenvolveu. E de tempos em tempos ela tem seu potencial ampliado por algum novo tipo de utilização que logo se torna parte da própria cultura que, até pouco tempo atrás, talvez nem imaginasse sua existência. Foi assim com o compartilhamento de arquivos (em especial os mp3), com os blogs e com o Youtube, entre outros. A Rede Social, filme mais recente de David Fincher – diretor de Se7en, Clube da Luta e Zodíaco – trata de uma dessas revoluções que sacodem a rede mundial de computadores de tempos em tempos: o Facebook.
E não se engane, por mais que as análises tenham derivado para a pessoa do criador do site, Mark Zuckerberg, a obra de Fincher transcende o indivíduo. Vai além do criador e explora a criatura, cujo poder é tamanho que traz para dentro de si desafetos de Zuckerberg, dilui barreiras sociais e, como não poderia deixar de ser, atrai a atenção daqueles que percebem seu potencial financeiro. A criatura paira tão acima que mesmo o criador, no momento mais sublime do filme, sucumbe a ela, tornando-se apenas mais um entre os tantos “meros mortais” representados virtualmente pelo Facebook. Grande parte da beleza do filme está na percepção deste fato. O impulso que leva o gênio empreendedor a mudar o mundo é o mesmo que o prende dentro da bolha de sua invenção. No caso específico de Zuckerberg – e caio eu aqui também na análise da pessoa – o impulso é a sensação de ser socialmente inadequado. Essa ideia, junto com seus subprodutos (o mais óbvio deles sendo a inveja) molda o caminho que leva o Facebook à grandeza e Mark à solidão.
Para contar bem uma estória tão complexa e cheia de minúcias, são necessários talento e ousadia, e esses Fincher possui de sobra. Como o enredo não tem fim – visto que o Facebook ainda existe e os personagens ainda vivem – o filme não se preocupa em carregar a estória do início ao desfecho. Ao contrário, os acontecimentos do passado e do presente são narrados intercalados, permitindo que se observe as ações e as consequências em paralelo, sem se preocupar muito com o final. Focando o desenrolar, cria-se um nível de compreensão sublime da montanha de sutilezas presentes entre os personagens principais da trama. Estes são, além de Zuckerberg, seu ex-sócio – o brasileiro Eduardo Saverin – o fundador do Napster, Sean Parker, os irmãos Winklevoss e Divya Narendra (os três últimos seriam as pessoas de quem Mark roubou a ideia que originou o Facebook). E uma vez que mencionei os personagens, é apropriado mencionar o elenco, que é praticamente irrepreensível. Jesse Eisenberg (de Zumbilândia e Férias Frustradas de Verão) interpreta o personagem principal em um desempenho que o credita a figurar entre os melhores atores do ano. Saverin ganha vida nas mãos de Andrew Garfield, que se revela uma grata surpresa. Até mesmo Justin Timberlake apresenta uma atuação digna do porte do filme.
Lá no meio do texto, mencionei “meros mortais”, e esse termo é importante porque a estória foi como foi em função da sensação de Zuckerberg de que o mundo lhe devia algo, e que ele tinha o direito de punir aqueles que não percebiam isso. É assim que surge, em uma madrugada de raiva e embriaguez, o embrião do site. É por isso que ele se afasta do único amigo que tinha. Por mais genial que o criador do Facebook possa ser, ele tem isso em comum com tantos seres humanos “normais”. Quantos de nós achamos que merecemos reverência por sermos inteligentes, bonitos, ricos, cultos ou qualquer outra coisa? E qual é o preço que se paga por isso? Pense nisso quando olhar para a tecla F5.