Nota: parte do que se segue é a minha interpretação do que eu ouvi e observei, e pode não condizer com a intenção dos envolvidos.
Participei hoje, pela primeira vez, do evento Encontros com o Professor, no qual o jornalista Ruy Carlos Ostermann conversa com um convidado. O participante da vez foi ninguém menos que Luis Fernando Verissimo, um dos mais famosos escritores do país. O encontro ocorreu no auditório Barbosa Lessa, quarto andar do Centro Cultural CEEE Erico Verissimo. Chegamos, meu irmão e eu, ao andar do evento com pouco mais de 15 minutos de adiantamento. A hostess, bastante simpática, que anotava os nomes de quem chegava, já recebia o aviso de que os lugares estavam se esgotando. Quando entramos, não havia mais duas poltronas juntas desocupadas, tivemos que sentar separados. Com um pouco de atraso, entrevistador e entrevistado adentraram o auditório. Ao apresentar o evento e o convidado, Ostermann nota que muitas pessoas acabaram por não poder participar, por falta de assentos – dentre essas pessoas o deputado estadual Adão Villaverde – que, de acordo com Ruy, recusou-se a sequer tentar um “carteiraço” (nota: carteiraço é um termo gaúcho usado para situações em que alguém tenta conseguir algo baseado em seu status, cargo ou parentesco).
O primeiro tema da noite são as manifestações que sacudiram o país nos últimos meses. Verissimo, que tem uma conhecida propensão à esquerda, disse entender que, embora as pessoas não peçam diretamente por um governo socialista, as pautas específicas (citadas por ele como sendo mais intervenção do governo sobre a educação e a saúde, além de passagens de ônibus com mais subsídios ou até gratuitas) são características de administrações socialistas. Citou ainda que o único caso que ele conhecia de transporte gratuito era o da União Soviética, mas que ele não acredita que ninguém queira efetivamente que o Brasil seja “sovietizado”. Em essência, definiu as manifestações como não tendo cunho ideológico, mas sendo um reflexo da insatisfação que vai além de partidos e bandeiras. Também houve uma conversa sobre a mídia. Tanto Verissimo quanto Ostermann abordaram o fato de a mídia ser composta por grandes empresas, e colocar-se logicamente a favor do empresariado. Nenhum dos dois, entretanto, tentou denegrir qualquer veículo de imprensa, e ambos foram incisivos ao destacar que o que se tem hoje é muito melhor do que havia na época da ditadura militar. O que eu entendi como ponto de vista de um e de outro é que o mais importante é que se tenha uma mídia livre, e que ela ofereça opções, visões diferentes. Ostermann apontou a revista Carta Capital como uma leitura que deveria ser procurada, por ser um contraponto ao viés mais comum da mídia impressa brasileira. Descreveu a posição da Carta Capital como não sendo propriamente de esquerda, do que discordo fortemente. Entretanto, seguindo o belo exemplo dos dois intelectuais, concordo plenamente que é de grande valia haver um contraponto, e deve-se sim buscar essa leitura, se possível (nota pessoal: desconfie de qualquer pessoa que te diga para não ler: pessoas que querem o seu bem te dirão que leia, mas com critérios; pessoas que querem que você pense exatamente como elas te dirão para não ler isso ou aquilo).
Como não poderia deixar de ser, fomos brindados com várias estórias do passado, lembranças de Erico Verissimo (pai de Luis Fernando, caso algum dos leitores tenha chegado hoje de Marte), casos ligados ao Pato Macho – periódico que circulou em Porto Alegre em 1971, como uma alternativa gaúcha ao famoso O Pasquim. Ostermann e Verissimo, aliás, sentavam-se em poltronas que foram da casa de Erico, e hoje fazem parte do acervo do Centro Cultural. Falou-se também de machismo, da polêmica da torcida única para o próximo Grenal, de Patrícia Poeta e Patrícia Pillar, musas de Verissimo (que parece ter esquecido Luana Piovani), de literatura (Verissimo disse estar com o mais recente livro de John le Carré em mãos, mas ainda não ter começado a ler; apontou ainda Milton Hatoum como o melhor escritor brasileiro da atualidade) e de cinema (disse ter gostado bastante da mais recente adaptação de Anna Karenina e ter achado o último Almodóvar ruim e homofóbico). Questionado sobre se achava que a cultura brasileira estaria trilhando um caminho ruim, descreveu-se como um otimista. Falou ainda sobre como a arte se beneficia de problemas sociais (e brincou que o humor na Escandinávia deve ser terrível).
Durante a sessão de perguntas, dois depoimentos emocionados, um de uma senhora que disse ter 73 anos e ser fã número um de Verissimo; outro de uma moça que aparentava ter seus 20 e poucos anos, e que quase chorou ao dizer que o primeiro livro a suscitar uma risada alta dela foi de Luis Fernando, e o primeiro a levar-lhe às lágrimas foi de Erico. Perguntas feitas e respondidas com muita simpatia, Verissimo recebeu entusiasmados aplausos de um público que ficou em pé para saudá-lo. Na sequência, a “canja” musical – que entendi ser uma constante do evento – foi de Pedro Verissimo (filho de Luis Fernando) e Fernando Aranha, que tocaram duas composições de autoria de Pedro e dois covers, um de The Look of Love (tema da primeira versão para o cinema de Cassino Royale, uma paródia não-canônica) e o outro de Hallelujah, de Leonard Cohen. No espírito de honestidade do blog, devo admitir que as composições próprias não me impressionaram muito. Os dois covers, entretanto, foram bem cantados e bem tocados.
No fim das contas, foi um evento sensacional. A conversa abordou temas importantes e interessantes, sem nunca perder o bom humor. A atmosfera de reunião familiar favoreceu muito a apreciação dos temas. Como destacou Ruy Carlos Ostermann, essa é a nossa cultura, Verissimo é um de seus grandes expoentes, e precisamos valorizar e respeitar mais o que de bom é produzido aqui. Nesse sentido, o Encontros com o Professor – Luis Fernando Verissimo foi um grande sucesso. Espero participar de outros em breve.
Para mais informações (e para ouvir o podcast em breve), visite o site do evento: Encontros com o Professor.
P.S.: peço desculpas pela qualidade das fotos, esqueci a câmera fotográfica e tive que usar o telefone celular.
Republicou isso em reblogador.
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Super post, parabéns.
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Ah, você acha a Carta de esquerda, tipo mesmo?
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Olá Mariel, obrigado pela visita e pelo elogio.
Eu acho que, no contexto em que a revista foi mencionada, como contraponto à Veja e outros veículos, esquerda seria uma classificação apropriada. Rigorosamente falando, não acho que tenhamos direita ou esquerda clássicas como regra nem em nossa política, nem em nossa sociedade (e o alinhamento de nossos veículos de mídia é consequência disso).
Achei importante fazer aquela colocação pois não creio saudável deixar aberta a interpretação de que outros veículos de mídia são tendenciosos enquanto a Carta Capital é imparcial; não é, ela tem tendências claras (que, claramente, não são as da esquerda da época da guerra fria). Ela é contraponto à Veja exatamente no sentido de que uma puxa para um lado, outro puxa para o lado oposto. Mas não vejo isso como demérito para uma ou para outra. Cada ponto de vista, desde que dentro da lei, merece exposição, e cabe ao leitor buscar pontos de vista diferentes e filtrar a informação que recebe.
Espero não ter divagado demais, hehehe.
Abraço!
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Foi perfeito. Como profissional de comunicação, acho que posso dizer que nunca encontrei um canal jornalístico que não fosse ventríloco do seu dono. Isso para o bem e para o mal. Abraço. E não, você não divagou.
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