Nota: visto em pré-estreia especial do grupo Cena de Cinema. Meu profundo agradecimento ao grupo e aos parceiros pela oportunidade.
Apenas dois dias atrás, o piloto brasileiro Felipe Massa anunciou, através de sua conta no Instagram, que seu contrato com a equipe Ferrari não será renovado. O piloto fica na equipe até o fim da temporada atual, mas terá que negociar com outra escuderia caso deseje permanecer na Fórmula 1, principal categoria do automobilismo mundial, a partir de 2014. Se Massa não estiver no grid de largada ano que vem, e nenhum outro piloto brasileiro for contratado, o Brasil ficará sem representantes na Fórmula 1. E a provável maioria dos leitores não havia nascido ainda na última vez que isso aconteceu: em 18 de julho de 1970, Emerson Fittipaldi participou pela primeira vez de um Grande Prêmio, e nos 43 anos que se seguiram o Brasil sempre foi representado. Por ironia do destino, é nesse momento peculiar que estreia nos cinemas brasileiros e mundias, amanhã, o mais novo filme do diretor Ron Howard (O Código da Vinci, Uma Mente Brilhante, Apolo 13). Esse contexto é interessante por um fator que talvez seja pouco conhecido: o Brasil é o país com o maior número de espectadores de Fórmula 1 no mundo. É de se imaginar, portanto, que o resultado de Rush – No Limite da Emoção nas bilheterias nacionais seja de muito interesse para o estúdio e a distribuidora.
Rush trata da rivalidade entre o austríaco Niki Lauda, três vezes campeão mundial e um dos maiores pilotos de todos os tempos, e o inglês James Hunt. Ambos se enfrentaram nas categorias de acesso à F1 e disputaram a categoria principal ao mesmo tempo. O filme se concentra no campeonato mundial de 1976 (quando Lauda corria pela Ferrari e Hunt pela McLaren), e quem conhece a história sabe porque. Chris Hemsworth (Thor, Os Vingadores) interpreta James Hunt e Daniel Brühl (Bastardos Inglórios, Adeus Lenin, O Ultimato Bourne) traz à tela Niki Lauda. O elenco conta ainda com Pierfrancesco Favino (Anjos e Demônios, Guerra Mundial Z), Christian McKay (O Espião que Sabia Demais, Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos) e as belas Alexandra Maria Lara (A Queda – As Últimas Horas de Hitler, Controle – A História de Ian Curtis), Olivia Wilde (House, Tron: O Legado) e Natalie Dormer (Game of Thrones, The Tudors).
Em primeiro lugar, é preciso destacar que se trata de um filme dirigido por Ron Howard, um dos artistas que mais vieram a encarnar a figura do “operário-padrão de Hollywood” – expressão usada para designar diretores cujos filmes se encaixam mais naturalmente na fórmula de sucesso da indústria americana. Assim sendo, espere ser confrontado com dramas pessoais, relacionamentos amorosos, personagens que têm linhas mestras facilmente identificáveis (é verdade que as personalidades de Lauda e Hunt favorecem essa leitura, mas, mesmo que não favorecessem, ela provavelmente se faria presente), tudo isso se interpondo à narrativa principal para facilitar o posicionamento do espectador.
Outra coisa que Howard costuma fazer em sua busca de seguir fórmulas é alterar os fatos históricos que gosta tanto de retratar (além dos já citados Uma Mente Brilhante e Apolo 13, dirigiu também A Luta pela Esperança e Frost/Nixon baseados em acontecimentos reais). Isso não ocorre, de forma geral, em Rush. O filme deixa de enfocar explicitamente o fato de que Lauda foi tricampeão e Hunt nunca foi realmente um rival do mesmo nível do piloto austríaco, mas isso não chega a dar a impressão de tentativa de enganar o público (ao contrário, por exemplo, do relacionamento entre o matemático John Nash e sua esposa – tema do filme Uma Mente Brilhante – que é essencial à história e é significativamente alterado no filme para adaptar-se à já citada fórmula do sucesso). Não me entendam mal, não prego a fidelidade absoluta aos fatos, afinal cinema é ficção; só não gosto quando os fatos são alterados não por questões artísticas, mas para pasteurizar o filme e vender mais ingressos. No caso de Rush, Howard conseguiu escapar de sua própria armadilha.
Acima de tudo, entretanto, está o fato de que a obra é emocionante. As corridas são muito bem retratadas, a interação dos protagonistas se dá no tom certo entre provocação e respeito, e as cenas-chave funcionam. O momento mais importante do filme (e da temporada de 1976) é retratado sem medo, e causa arrepios e tristeza. Apesar disso, tenho um outro momento como favorito, a cena em que Hunt faz um exercício de visualização do traçado do Grande Prêmio de Mônaco. Na mente do piloto, nós, espectadores, passeamos como se dirigíssemos pelo trajeto de uma das corridas mais significativas do mundo – se não a mais – desde a entrada do hairpin até a saída do túnel. É possivelmente a única vez que eu fiquei chateado pelo aparecimento na tela de Olivia Wilde. Outro momento divertidíssimo ocorre quando Lauda e sua futura esposa recebem carona de dois tifosi (termo pelo qual são conhecidos os ardorosos fãs da Ferrari).
Não sei se Howard é fã de automobilismo. Se for, isso pode ajudar a explicar porque ele conseguiu criar um filme que, se ainda tem suas características principais impressas, não precisa recorrer a tantos estratagemas para cativar e emocionar. Independentemente dos motivos, é um de seus melhores trabalhos. O interesse dos brasileiros pela Fórmula 1 diminuiu desde a morte de Ayrton Senna, mas ainda somos um povo disposto a acordar no domingo para assistir a um grupo de homens e seus carros desafiarem os limites. Vale a pena também sair de casa e assistir a Rush. É uma bela homenagem à história do esporte e, mais do que isso, é um grande filme.