A Menina da Porta ao Lado, ou A Vizinha (The Girl Next Door, Gregory Wilson, 2007)

Levemente inspirado em fatos reais, A Vizinha narra os eventos que se seguem à chegada de duas irmãs adolescentes a uma pequena cidade dos Estados Unidos, em 1958 (os eventos reais ocorrem em 1965). As duas irmãs moram com uma tia a quem pouco conheciam, e essa tia passa a demonstrar agressividade cada vez maior, instigando outros jovens do bairro a hostilizarem as duas moças, particularmente a mais velha. A “porta ao lado” do título refere-se ao fato de o filme ser narrado do ponto de vista do vizinho, um adolescente bondoso chamado David. O filme é adaptado do livro The Girl Next Door, escrito por Jack Ketchum e publicado em 1989.

Nota-se claramente se tratar de um filme de baixo orçamento e feito sem muitas pretensões, pelo menos em termos artísticos. A filmagem é relativamente burocrática, e segue um padrão de televisão, particularmente nas cenas externas – ocorre até o uso de establishing shots – cenas que mostram o local onde a ação a seguir se passa, para que o espectador menos atento não se perca – algo que mais usado em televisão, em função dos comerciais e da quebra entre um episódio e outro. A caracterização do porão da casa da tia é um pouco mais vívida.

O principal problema de A Vizinha, entretanto, é a progressão da trama. O filme é curto (tem 91 minutos), e lhe faria bem adicionar mais tempo para mostrar elementos que justificassem a evolução dos eventos. Alguém poderia argumentar que a estória é real, mas a questão é exatamente essa: o que ocorreu em 1965, por terrível que tenha sido, é passível de compreensão. No filme, a tia demonstra um ódio que não é justificado dentro da própria narrativa, e os jovens que a seguem na tortura da moça tampouco recebem o desenvolvimento necessário. Na vida real, Gertrude Baniszewski, a tia, era pobre e passou por vários relacionamentos fracassados, que a deixaram com vários filhos – e o segundo marido abusava dela. Os relacionamentos fracassados são aludidos verbalmente no filme, mas de forma pouco orgânica, como uma justificada adicionada forçosamente. No filme, fica estabelecido desde o início que os pais das meninas morreram; na versão real, os pais tinham um casamento turbulento, e quando a mãe foi presa, o pai fez um acordo com Gertrude, mediante o qual ela cuidaria das meninas em troca de vinte dólares semanais. Eventualmente os pagamentos começaram a atrasar. Faltam ao filme os motivos que, se obviamente não justificam a abominação cometida por Baniszewski, permitem entendê-la. Dessa forma, a narrativa resta sem sentido, e é difícil, se não impossível, interagir com a trama.

Adicionalmente, A Vizinha incorre ainda em outro pecado, o uso de uma ferramente banal e nada sutil: o personagem principal nada mais é do que a representação física do espectador. Ele é um “herói” – como todos gostamos de nos imaginar – mas, por ser o espectador, não tem poder para alterar o rumo da história. Por mais que seja repleto de boas intenções, cabe a ele fazer cara de sofrimento enquanto a moça efetivamente sofre. Em um determinado momento, ele é mesmo impedido pelos outros garotos de sair do lugar onde os abusos estão sendo cometidos – afinal, seu papel é ver.

Não é necessário que um filme baseado em fatos reais seja fiel aos acontecimentos, afinal trata-se ainda de uma obra de arte, na qual criar uma narrativa convincente se sobrepõe a ser verdadeiro. Alterar os eventos para tornar a estória menos interessante, menos convincente e praticamente sem sentido, entretanto, equivale a trabalhar mais em busca de resultados piores. Não é a decisão mais inteligente.