A música vem acompanhando o cinema há muitas décadas, desde antes mesmo de ser possível gravar sons atrelados à imagem – era comum na época do cinema mudo que os rolos de filme viessem acompanhados de uma partitura, e salas de cinema contratavam pianistas para tocar a trilha sonora. Logo, a tecnologia avançou e o som passou a vir gravado junto ao filme. E assim, a música tornou-se um importante instrumento para os cineastas, servindo para estabelecer atmosfera, jogar com as sensações do espectador ou até mesmo substituir diálogos. É aqui que entra a minha lista: preparei uma lista com as 20 melhores cenas nas quais personagens cantam. Vejam bem, a cena tem que ser o centro do que está acontecendo no filme naquele momento – algum personagem cantando ao fundo enquanto a ação se desenvolve vale muito mais como trilha sonora do que como cantoria, para fins da seleção que vocês estão prestes a acompanhar. Vamos lá então.
20. Escola de Rock (The School of Rock, Richard Linklater, 2003) – School of Rock (cantada por Jack Black)
Já adianto que o Linklater emplacou duas entradas na lista, uma delas por essa pequena ode ao rock ‘n roll, um papel tão talhado para o Jack Black que ele não o estraga. Bem, uma banda de crianças dando um show com direito a belos solos merece a lembrança.
19. O Casamento do Meu Melhor Amigo (My Best Friend’s Wedding, P.J. Hogan, 1997) – I Just Don’t Know What to Do With Myself (“cantada” por Cameron Diaz)
Uma característica comum a quase todas as cenas em que personagens começam a cantar é que eles cantam muito bem. Isso pode ser visto neste mesmo filme, quando o elenco interpreta I Say a Little Prayer for You, com direito a backing vocals que deveriam estar na Broadway. Mas música, no cinema, evoca emoção, e por isso ela vai além de técnica vocal e busca o sentimento. Quando a anti-heroína interpretada por Julia Roberts – sabendo que a ingênua personagem de Cameron Diaz canta terrivelmente – prepara uma armadilha para que ela seja humilhada na frente do noivo, isso é o que acontece:
O amor vence tudo, hehehe.
18. Antes do Pôr-do-Sol (Before Sunset, Richard Linklater, 2004) – A Waltz for a Night (cantada por Julie Delpy)
Toda a obra-prima de Linklater é uma ode ao sentimento, que explora de forma bela, cheia de sutileza mas com a intensidade de um vulcão em erupção o que une e o que separa duas pessoas. O fato de tudo se passar em Paris adiciona um verniz de requinte ainda maior. Toda a sequência final é primorosa – e a frase final é daquelas de carregar para sempre – e parte dessa sequência traz a personagem Celine (Julie Delpy) cantando a canção que compôs inspirada por seu relacionamento com Jesse (Ethan Hawke).
17. O Rei Leão (The Lion King, Roger Allers & Rob Minkoff, 1994) – Be Prepared (cantada por Jeremy Irons)
Além de ser a melhor animação e um dos melhores filmes da história, O Rei Leão tem uma trilha sonora de primeiríssima linha. É verdade que Circle of Life cai fora por não ser cantada pelos personagens, mas restam ainda pérolas como I Just Can’t Wait to be King, The Lion Sleeps Tonight, Can You Feel the Love Tonight e Hakuna Matata. Mas a canção maligna do vilão Scar (Jeremy Irons) convocando as hienas para um golpe de estado, com referências visuais ao nazismo e um clima que bem remete ao inferno é a mais marcante das cenas de cantoria do filme.
16. Gilda (idem, Charles Vidor, 1946) – Put the Blame on Mame (cantada por Rita Hayworth)
Gilda foi uma das selecionadas para integrar minha lista de personagens femininas mais marcantes do cinema, e em grande parte foi por causa da antológica apresentação da canção Put the Blame on Mame, algo que surge provocante em uma época em que não era possível ser abertamente chocante. O flerte com o público, a sutil encenação de um striptease, o leve tom de bebedeira, as pernas aparecendo pela fenda do vestido. Um show de detalhismo do diretor, e um show de sensualidade da atriz.
15. 8 Mile – A Rua das Ilusões (8 Mile, Curtis Hanson, 2002) – última batalha dos rappers (cantada por Eminem)
Depois de passar por uma série de decepções, o personagem de Eminem, que é essencialmente o próprio Eminem, enfrenta seu antagonista em uma batalha de rap, e responde a tudo que foi atirado em sua cara durante o filme. No final, rola até um trecho a cappella. Não há dúvidas de que o filme foi feito para que Eminem interpretasse a si mesmo, mas funciona; o filme todo é pontuado por demonstrações genuínas de emoção, e a última canção apresentada não deixa por menos.
14. Casablanca (idem, Michael Curtiz, 1942) – La Marseillaise (cantada por Paul Henreid e grande grupo de coadjuvantes e figurantes)
Ah, La Marseillaise. O hino mais famoso do mundo, um simbolo por si só. A canção entraria na lista por uma produção anterior, Napoleão, de Abel Gance, não fosse o detalhe de se tratar de um filme mudo – apenas vemos as pessoas enlevadamente entoando a letra, sem poder ouvi-la. Mas veio um dos maiores clássicos do cinema e deu mais uma chance ao hino francês. Aqui, ela serve para explicitar a resistência em espírito à ocupação nazista. E é bom ver os nazistas tendo seu traseiro chutado.
13. A Noviça Rebelde (The Sound of Music, Robert Wise, 1965) – Edelweiss (cantada por Christopher Plummer, Julie Andrews e o elenco mirim)
E já que estamos falando de clássicos do cinema – e de nazistas quebrando a cara – um dos momentos mais bonitos dessa linda e singela obra de Robert Wise. Uma canção simbólica da Áustria, da pátria ocupada – e que eles em breve tentarão abandonar. Alguém poderia dizer, não sem razão, que a cena se assemelha em conteúdo e estrutura à anterior, de Casablanca; o que coloca esta aqui à frente é a interpretação fantástica de Christopher Plummer, como um homem com o coração partido, com as palavras engasgadas na garganta. Ajuda bastante o fato de, logo a seguir, ele ser ajudado pela excelente Julie Andrews. Ah, sim, e os nazistas quebram a cara. Tá, parei de tripudiar os nazistas, hehehe.
12. O Jovem Frankenstein (Young Frankenstein, Mel Brooks, 1974) – Puttin’ on the Ritz (cantada por Gene Wilder e Peter Boyle)
O clássico de Irving Berlin ganha aqui sua mais peculiar versão, no momento em que a paródia de Frankenstein filmada por Mel Brooks faz referência ao King Kong de 1933. Gene Wilder é expressivo como de costume, mas é o desempenho de Peter Boyle como a criatura que mal consegue falar que rouba a cena. É impossível não rir da bizarrice da situação, ainda mais quando aquilo evolui para um elegante número de sapateado. Um dos melhores momentos do melhor trabalho de Brooks.
11. Quase Famosos (Almost Famous, Cameron Crowe, 2000) – Tiny Dancer (cantada pelo elenco)
Cheguei a pensar se poderia colocar essa aqui na lista, já que em boa parte ela traz a música original, na voz de Elton John. Mas quando o elenco começa a cantar, logo suas vozes se sobrepõem à do gênio Elton, tornando a cena original o suficiente para participar. Bom, um clássico da música moderna que quebra o gelo e reconstrói a harmonia de um grupo em crise já é bom o bastante, em termos de significado. E ainda tem a Kate Hudson, no auge de sua beleza de cabelos cacheados.
10. Casablanca (idem, Michael Curtiz, 1942) – As Time Goes By (cantada por Dooley Wilson)
Alguns devem ter pensado “o cara botou a Marseillaise e deixou de lado As Time Goes By, que idiota”. Acontece que não, uma cena clássica como essa não poderia ficar de fora. Afinal, temos uma canção das mais lindas do cinema, em um momento crucial do filme, e como se isso não bastasse, Ingrid Bergman dá um show de sentimento, pedindo que a música seja tocada (em uma das frases mais equivocadamente reproduzidas da história), depois deixando transparecer tudo o que a canção evoca.
09. O Picolino (Top Hat, Mark Sandrich, 1935) – Cheek to Cheek (cantada por Fred Astaire)
Não sei dizer se algum casal no cinema foi mais iluminado do que Fred Astaire e Ginger Rogers. Na tela, eles se complementavam de forma magnífica, tornando melhor o que, neste caso, já seria bom, a linda canção Cheek to Cheek, que descreve a felicidade de dançar coladinho com quem se gosta. E não pare de assistir depois que ele para de cantar e eles ficam só dançando. É das melhores cenas de dança do cinema.
08. Mudança de Hábito (Sister Act, Emile Ardolino, 1992) – I Will Follow Him (cantada por Whoopy Goldberg e o coro das freiras)
Sempre gostei desse filme meigo e otimista lá do começo da década de 1990, época em que os filmes-família tinham força incrível. E a combinação de música sacra com viés pop gera os melhores momentos da obra, primeiro quando as freiras surpreendem a paróquia ao cantar animadamente (e bem) pela primeira vez, e no final, quando se apresentam para o Papa. Então por que essa canção e não a outra? Além do fato de estar ser a última cena, e por consequência onde culmina toda a trajetória pela qual passaram as personagens, o trecho final da apresentação – com os solos vocais da freirinha loira (cuja voz foi dublada), os backing vocals, o crescendo e o último refrão – é muito emocionante.
07. De Volta para o Futuro (Back to the Future, Robert Zemeckis, 1985) – Johnny B Goode (cantada por Michael J. Fox – dublado por Mark Campbell)
Outra cena clássica, em que o garoto do futuro ajuda indiretamente Chuck Berry a criar o rock ‘n roll. As piruetas que Marty McFly (Michael J. Fox) executa no palco são a essência do prazer de assistir a um show de rock ao vivo. E o sonho de todo garoto de poder estar no lugar dele.
06. O Mágico de Oz (The Wizard of Oz, Victor Fleming, 1939) – Over the Rainbow (cantada por Judy Garland)
Fofura é o que melhor descreve essa cena, com uma Judy Garland que à época tinha 17 anos cantando seus sonhos de achar um lugar ao qual ela sinta que pertence de verdade. Over the Rainbow se tornou uma das canções mais conhecidas do mundo, mas ainda é difícil achar versões que passem perto desta aqui.
05. Across the Universe (idem, Julie Taymor, 2007) – All You Need is Love (cantada por Jim Sturgess, Dana Fuchs e Martin Luther)
Um dos maiores clássicos dos Beatles, All You Need is Love já chama a atenção sempre que é ouvida. No musical de Julie Taymor, a canção acompanha o desfecho do filme, e simboliza magnificamente a trajetória dos personagens e também a mensagem que a diretora buscou extrair da carreira da maior banda de todos os tempos. A cereja do bolo vem no trecho final da canção: Jude (Jim Sturgess) percebe que espalhou o amor para todos os presentes, e se lembra que ele próprio ficou sem. Perdendo a expressão serena, ele se afasta do microfone; então Max (Joe Anderson) aponta com a cabeça, Jim vira-se e, no alto de um prédio do outro lado da rua, enxerga Lucy (Evan Rachel Wood). Então Max diz seu único verso, “she loves you, yeah, yeah, yeah”, e a expressão no rosto de Jude passa a ser de felicidade total e absoluta. Nem sei quantas vezes já vi essa cena, e ela nunca deixa de me emocionar.
04. A Vida de Brian (Life of Brian, Terry Jones, 1979) – Always Look on the Bright Side of Life (cantada pelo elenco)
O que se pode dizer a uma pessoa crucificada por engano, à espera da morte certa? Sempre veja a vida pelo lado bom, é claro! Se for possível dizer isso com uma canção embalada com assobios, bem do tipo de música que fica na cabeça por horas, melhor ainda. Se os crucificados todos cantarem em coro, com direito à única coreografia possível dada a situação, então nem se fala. Agora, se isso acontece no fim do melhor filme do grupo Monty Python, então é clássico!
03. Moulin Rouge – O Amor em Vermelho (Moulin Rouge!, Baz Luhrmann, 2001) – Elephant Love Medley (cantada por Nicole Kidman e Ewan McGregor)
Ao invés de diálogos, versos da vários clássicos da música moderna, com direito a Beatles, David Bowie, U2, Joe Cocker, Phil Collins, Dolly Parton (ou Whitney Houston, se preferirem) e Elton John para encerrar. Declamados com competência e emoção por dois grandes astros do cinema, possivelmente nas melhores fases de suas carreiras. E as cores marcantes de Baz Luhrmann para completar. Fantástico!
02. Bonequinha de Luxo (Breakfast at Tiffany’s, Blake Edwards, 1961) – Moon River (cantada por Audrey Hepburn)
Moon River (cantada por Audrey Hepburn) – preciso dizer mais?
01. Cantando da Chuva (Singin’ in the Rain, Stanley Donen & Gene Kelly, 1952) – Singin’ in the Rain (cantada por Gene Kelly)
Alerta de clichê!! Pois é, não tem como não colocar a canção simbolo dos musicais em primeiro. Tudo nela é história do cinema.
Então tá aí, mais uma vitória para Cantando na Chuva.
Muito bom!
Sabes que eu sempre tive vontade de fazer uma seleção destas (risos). Especialmente nestes casos em que a tal cantoria não fosse exatamente em um filme musical e nem de atores/cantores. Como Woody Allen fez no filme Eu Te Amo. (que por sinal não aparece aqui. Que por sinal sempre tem alguém reclamando da falta deste ou daquele em tratando-se de listas. Mas enfim.).
Gostei das escolhas.
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Errata: O Nome correto do filme do woody Allen é: TODOS DIZEM EU TE AMO.
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Valeu, Valdeci! Olha, tenho que confessar que Woody Allen é um dos meus grandes pecados. Até já vi uns quantos filmes dele (9, se me lembro bem), mas como o cara tem uma carreira muito extensa, eu conheço pouco, faltam aí vários clássicos.
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Vi poucos de Woody Allen e não tenho vontade de ver mais.
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Minha preferida é I Say a Little Prayer for You, em O Casamento do meu melhor amigo. Sem contar os musicais Disney. Se for contar com os Disney, primeiro vem Hellfire, depois Belle e em terceiro lugar talvez Part of Your World.
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Fabiana, sempre polêmica, hehehe. Eu gostei do que vi do Woody Allen.
I Say a Little Prayer for You é tri boa de ouvir (tanto no filme quanto a versão da Diana King), mas é exatamente por ser ruim que a outra se destaca, a meu ver. É a única que prega que cantar mal tb é cantar. Já sobre as animações, apesar de gostar muito delas, as canções sempre foram menos emocionantes pra mim do que os filmes em si. Por isso O Rei Leão como único representante. Apesar de que também gosto daquela Under the Sea, o caranguejo aquele é hilário.
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Sebastian… Under the Sea é incrível.
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Isso, Sebastian! http://www.youtube.com/watch?v=C8OBlq_svBY
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Não sei se entraria Beauty and the Beast, pq é a chaleira que está cantando, e ela participa pouco da cena. Mas é uma das músicas maid bonitas de animações.
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Sempre achei Cantando na Chuva imbatível entre os musicais. É um daqueles filmes raríssimos que combinam cenas perfeitas com falas perfeitas, com coreografias perfeitas, um roteiro excelente e uma penca de personagens e atores incrivelmentes carismáticos. Só podia mesmo se tornar esse clássico que ele é.
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A Bela e a Fera é uma animação que não me marcou muito. Talvez eu deva a ela uma revisita, mas até lá, nem me lembro de considerá-la em listas.
Já Cantando na Chuva é clássico absoluto mesmo. Não sei se é meu musical preferido, porque eu tenho um caso de amor com Moulin Rouge, mas essencialmente creio que fica entre os dois mesmo.
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Ma, eu adoro a parte que a Dakota Fanning dança para a Brittany Murphy no Grande menina, pequena mulher. Não é bem uma cantoria, mas é demais! rs
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Também gosto dessa cena, Gé. Lembra que eu coloquei ela na homenagem que fiz pra Murphy quando ela faleceu?
Só que, realmente, a música nessa cena é mais trilha sonora do que o centro da situação, embora um personagem esteja cantando.
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Quero dizer que o poder subversivo e rebelde de Chuck Berry sensibiliza um adolescente “normal” como eu quando o vi pela primeira vez em um filme.
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