Como o leitor pode facilmente adivinhar, internet é algo que faz parte da minha vida diária. Comecei a acessar a rede em 1996, quinze anos atrás, portanto. Na época eu tinha 16 anos e morava com meus pais; havia um computador na casa, e podíamos usá-lo quando o pai não estava usando. E por mais restritas que fossem as atividades à época, era divertido navegar na internet. O mais instigante, a princípio, talvez fosse a possibilidade de descobrir as informações que se desejava. Quase qualquer coisa sobre bandas, cantores, atores, atrizes, tudo isso acessível sem ter que comprar alguma revista. Logo depois vieram as salas de bate-papo, o mIRC, o ICQ… Downloads eram feitos através do próprio navegador – até que surgiu o Napster para mudar as regras. Naqueles tempos, aliás, o navegador mais famoso era o Netscape Navigator. Mas que nem se pensasse em montar uma grande coleção de músicas no computador, afinal acessava-se a internet pela linha telefônica, e isso era caro, a menos que a conexão fosse feita depois da meia-noite, quando então pagava-se apenas um pulso para ficar conectado a noite toda. Quando o relógio do PC marcava meia-noite, era um festival de gente aparecendo no ICQ. Ah, os saudosos velhos tempos. Mas quem se aventurava a usar a madrugada para navegar e, especialmente, fazer downloads não tinha vida fácil. Deixar um arquivo sendo baixado e ir dormir garantia na manhã seguinte a emoção de ligar o monitor para descobrir se a conexão não havia caído. Não raro, ela caíra minutos depois que a pessoa havia ido dormir, não tendo sido a madrugada útil em absoluto. Quem ficava acordado pelo menos podia conectar de novo; e de novo; e de novo. Coisas da vida naqueles sombrios tempos.
Passados todos esses anos, a realidade agora é outra. A internet é mais rápida, mais estável e muito, muito mais variada em termos de possibilidades de uso. Programas de troca de mensagens instantâneas, como o MSN Messenger, são quase universais. É possível compartilhar fotos, músicas, vídeos, estórias… tudo isso quase imediatamente. Gente que não sabe encontrar pão em um supermercado acha obscuras versões ao vivo de músicas tocadas do outro lado do mundo, ou clássicos do cinema que locadora nenhum possui. Mas se há algo que a internet já provou é sua capacidade de exceder expectativas. Quando se pensa que ela atingiu o ápice da utilidade e da genialidade, aparece uma nova ferramenta e mostra que ainda há muito a desenvolver e aprender com a rede mundial de computadores. E talvez o mais importante de todos os fatores é que as pessoas podem usufruir de todas essas possibilidades com liberdade quase ilimitada. Tudo isso força então que se faça uma pergunta: quão preparadas estão as pessoas para lidar com esse ambiente tão rico, tão livre e tão mutante?
Para oferecer a minha resposta a essa pergunta, vou enumerar alguns eventos passados.
Anos atrás, ainda na época do WinMX (um dos sucessores do Napster), era relativamente comum que pessoas tentando divulgar suas bandas compartilhassem arquivos cujos nomes continham várias denominações de bandas ou outras canções populares, de forma a aparecer sempre que alguém procurava tais bandas ou canções, e corrompendo assim resultados de pesquisas. Por mais compreensível que seja alguém tentar divulgar seu trabalho, isso é um bom exemplo de uso errado dos recursos da internet. Se você tem alguma dúvida do porquê, digo o seguinte: tudo que é feito baseado em mentiras e enganação, por mais que possa parecer justificável, acaba por colaborar para a deterioração do ambiente, com prejuízo para todos. Essa ação guarda semelhança com outra: colecionar endereços de e-mail e mandar SPAM. Há programas de computador cujo propósito é exatamente o de catalogar todos os endereços de e-mail que encontra e enviar a lista para seu autor. Mas também há quem o faça manualmente, usando mensagens que recebe nas quais o remetente não escondeu a lista de destinatários para divulgar trabalhos pessoais para pessoas que não são conhecidas e possivelmente não têm nenhum interesse. Se você acha isso menos grave, pense de novo, ou melhor, releia a explicação que eu elaborei para mostrar porque o comportamento anterior é errado. Aqui cabe um mea culpa: eu mesmo fiz isso uma vez. Quando estava ainda na faculdade, alguns amigos e eu resolvemos montar uma página na internet, e então juntamos todos os endereços de e-mail que conseguimos encontrar em nossas caixas-postais e mandamos mensagens para todos divulgando nosso site. Pelo menos isso me serviu de lição. E deixo também uma lição para o leitor: sempre que for enviar um e-mail para várias pessoas, coloque os endereços no campo “cópia oculta”. Todos os usuários da internet agradecem.
Esses são casos nos quais as pessoas cometem ações amplamente errôneas por estarem muito focadas em seu benefício próprio, mas não são a única forma de problema que o usuário de internet encontrará. Também existe o uso desastrado de ferramentas, que embora seja menos grave, torna-se problemático por ser muito difundido. E nisso os brasileiros são campeões. Vamos a alguns exemplos. Quem se lembra de como era o orkut em 2005? Em amplo crescimento, essa rede social parecia destinada a encurtar distâncias, em especial para os brasileiros, que atiraram-se em massa sobre ela. E então começaram os problemas. Quase todo assunto possuía uma comunidade brasileira – algo até justo, considerando a grande quantidade de brasileiros por lá – mas qualquer tema, por mais absurdo, inútil ou simplesmente idiota que fosse recebia uma comunidade. E as pessoas associavam-se a comunidades não para participar delas, mas para usá-las como extensão do perfil. Usuários faziam parte de centenas de comunidades, para mostrar tudo que amavam, odiavam, e até para explicitar que eram indiferentes a algo. Um fenômeno do surrealismo. Mas isso não bastou, pois os brasileiros entravam em comunidades internacionais – onde se pedia de forma explícita que a língua usada fosse o inglês – e insistentemente escreviam mensagens em português. O resultado disso foi que o orkut naufragou. Atualmente ele é popular apenas no Brasil, na Índia e em poucos outros países. E ao invés de integrar-se ao mundo, o brasileiro conseguiu usar uma rede social para se isolar mais. Ah, e não esqueçamos dos perfis falsos de celebridades, perfis criados para bebês, cachorros, etc. Fenomenal.
Também houve um caso célebre (à época) envolvendo o Fotolog, mais famoso servidor de álbuns de fotografia. Ao chegar ao Brasil, o site inflou assustadoramente. Foram milhares de novas contas surgindo com velocidade tão elevada que os administradores anunciaram que estavam considerando proibir o cadastro de contas a partir de conexões vindas do Brasil. Aqui devemos considerar dois fatores, um positivo e um negativo. O positivo é que o brasileiro é curioso e busca estar antenado com as novidades, o que é fundamental em termos de tecnologia. O negativo é que, obviamente, não havia milhares de brasileiros com ideias geniais, inovadoras, e grande talento para a fotografia. A imensa maioria estava apenas atulhando a rede com flogs chatos e repetitivos. E tem mais, agora com o Twitter: originalmente, a frase acima do campo em que se digitam as mensagens perguntava “o que você está fazendo?” Atualmente a pergunta foi mudada para “o que está acontecendo?” Não é difícil intuir o motivo: muita gente estava descrevendo detalhes irrelevantes, indiscretos ou até perigosos do seu dia. Ninguém precisa realmente descrever o passo-a-passo de cozinhar o almoço, ou avisar que está indo ao banheiro. Isso sem contar aqueles que usam o Twitter como se fosse um serviço de mensagens instantâneas, e batem papos intermináveis com seus contatos. E há ainda aqueles que, ao invés de criarem blogs para si – e mesmo os que possuem blogs e não os atualizam – escrevem textos quilométricos no Twitter, algo obviamente desconexo do conceito da ferramenta. Justiça seja feita, o Twitter não é assim tão popular no Brasil, então pode-se concluir que os problemas não são de todo nossa culpa.
Os casos citados acima ilustram, a meu ver, os principais problemas no uso das ferramentas que a internet nos oferece no presente. Mas toda boa crítica traz junto uma análise mais profunda das causas dos problemas, além de sugestões para o desenvolvimento. Isso vocês lerão na parte 2, em breve.
Se você se interessa por internet, pode ler outros textos meus:
Livemocha – sobre a rede social de estudo de idiomas;
Os textos-fantasma – sobre textos que circulam pela internet sem autor ou atribuídos a autores errados;
Twitter em perigo? – sobre problemas enfrentados pelo Twitter.
Ótimo texto, Marcelo. De fato, um mundo “offline” é quase surreal atualmente, e também senti nostalgia ao relembrar tempos da conexão discada (fazia as resenhas para o fórum off-line e conectava-me apenas para postar; daí de madrugada lia os demais comentários, hehe).
Fico no aguardo da parte 2.
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